Thursday, January 1, 2015
Creio que apenas quem é da minha área poderá entender a dimensão do que direi a seguir, mas há uma beleza indescritível, quase poética, no que fazemos. É nestas alturas, e ao reler trechos como este, que me relembro o porquê de ser tão apaixonada por esta profissão, esta forma de pensar o mundo, as pessoas e a nós próprios.
Por nada ser inócuo, óbvio ou evidente. Tudo em nós é mais alguma coisa do que o que mostramos ou sabemos e é nessa descoberta que reside o mais fantástico dos percursos. Tornar consciente, tornar claro, reescrever a história que em todos nós resulta da estória que tivemos e das relações que fomos estabelecendo, ganhando e perdendo.
Nós somos, de facto, nós e as nossas circunstâncias. O bonito é saber que a história pode passar a ser contada, vivenciada e lida de outra forma. É esse o nosso trabalho. O de devolver a esperança, a liberdade e a vida.
(Sobre a compulsão à repetição): "Eu corria tão depressa que a minha mãe não conseguia apanhar-me. Então esperava que eu adormecesse e vinha ao meu quarto, durante a noite, para me bater com o cinto... Não recebi afecto, portanto não consigo dar. De facto, não consigo dizer à minha filha que a amo. Então sacrifico-me por ela. Através dos meus comportamentos digo aquilo que não consigo dizer por palavras. Dou às escondidas e sem uma palavra. Espero que ela compreenda". A repetição de uma transmissão desajeitada de afecto é uma estratégia de defesa que mutila a expressão da personalidade e altera as relações entre a mãe e a filha. É um contra-senso de afecto. Neste exemplo, a mãe repete exprimindo um afecto esquivo, distante, talvez mesmo gélido, porque não ousa verbalizar o afecto. Quanto à filha, lida com a mãe que adopta uma postura de adulto dominado, dedicando-se à filha e anulando-se perante ela. Será necessário esperar que a filha cresça para entender o sentido dessa estratégia comportamental. E, como a retirada da mãe fez da criança um bebé grande, é de esperar que passem várias décadas antes de descobrir o que isso significava". ( Boris Cyrulnik)
... E isto quando (e se) se descobre.*
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