Tenho saudades de ser pequenina. De ter o mundo à minha frente e só ver coisas boas. Das histórias da avó ao adormecer, nas quais eu acreditava piamente, sem contestar; das canções de embalar. Tenho saudades de ficar em casa dos avós, de desenhar fatos para as bonecas e fazer teatros com os mil bonecos que guardavam sempre para mim; de calçar (roubar) os sapatos altos da avó e sair à rua com a sua mala, sentindo-me como gente crescida e, mais, acreditando que (já) o era. Tenho saudades dos batôns e das vaidosices; das formas e castelos na areia e de correr em biquinhos de pés com a mãe, pela praia do Alvor; dos filhos dos amigos dos pais, com quem brincava; das paixonetas de Verão, sobre as quais fantasiava; dos sapatos de pano e dos fatos da moda que mais pareciam fraldas. Tenho saudades de brincar às escondidas nas ruas do Cartaxo; dos meus primos; de ir à vizinha como quem vai a mais uma divisão da casa. Tenho saudades de ver a Rua Sésamo; de comer papa Cerelac e rapar com o dedo os restos dos bolos que a avó fazia para vender; de usar bóias e braçadeiras e de querer aprender a nadar; tenho saudades dos sugus e dos chocolates Regina, de morango, que só a vizinha oferecia; tenho saudades de cobiçar os gelados alheios nos Verões, depois de já ter comido o meu; tenho saudades das poças de água na praia e de mim feito peixe no mar; tenho saudades de acreditar piamente em fadas e heróis; tenho saudades de chorar e vibrar com os filmes da Disney; tenho saudades das Barriguitas, das casas e enredos que construía para as Barbies, dos Pinipons, de vestir os Nenucos; de acreditar e esperar o Pai Natal, fazendo-lhe listas e cartas infindáveis; de espreitar as prendas às escondidas, tentando adivinhar o que tinha cada embrulho; tenho saudades de usar bóinas e laços no cabelo; de cumprir promessas à mãe, quando tinha de deixar algo para mim tão sagrado, como a chucha; tenho saudades dos fins-de-semana em casa das amiguinhas, na pré ou na primária, quando já me sentia tão independente e importante; tenho saudades das aulas de culinária e de costura do Externato do Parque; dos escorregas e dos pinos; dos esconderijos e dos segredos; tenho saudades da irmã Elvira, das pinturas no atelier, da imensidão do Colégio, perante os meus olhos de pequenina; tenho saudades das aulas de música; de tocar piano; das inúmeras festas que ofereciamos aos pais; tenho saudades do refeitório; das orações; do momento sagrado do dia - o do bolo de açúcar a 20$; tenho saudades das exposições dos desenhos e das prendas que faziamos no dia da mãe e do pai; tenho saudades de aprender o alfabeto e as regiões do nosso país; tenho saudades de espreitarmos a horta do colégio, às escondidas; tenho saudades de jogar ao elástico; do docéu cor-de-rosa do meu quarto da Av. Columbano; das torradas e fitas em casa das amigas; do momento alto que era o dia do nosso aniversário, por ser o único em que não usávamos a bata preta; tenho saudades do Carnaval, de preparar e viver o fato, encarnando a personagem; tenho saudades da ginástica, da t-shirt amarela e das Olímparquíadas; dos hinos que cantávamos com convicção e alegria; das confissões ao Padre; das missas; dos valores que nos eram incutidos. Tenho saudades das Doroteias, dos amigos que trazia de antes e dos de depois; do intervalo das 10h; dos almoços que evitávamos e das voltas ao colégio; tenho saudades dos testes, das aulas e dos bancos dos corredores; tenho saudades de sair à noite e só poder ir até certa hora, quando o pai nos ia buscar; tenho saudades dos esquemas que arranjávamos para concretizar desejos e desafios; tenho saudades das danças de salão; do espectáculo de fim-de-ano, antes do Verão; tenho saudades dos recados e reforços na caderneta; da ticosa e dos testes de Francês que copiávamos sem dó nem piadade; tenho saudades das pautas e de receber 4's e 5's no fim do trimestre; tenho saudades do professor Dário; de subir as escadarias das Calvanas; do convívio no bar; dos chocolates Twix e dos croissants de creme com amêndoa torrada; da sala dos professores; do recreio e dos campos de futebol; do cartão amarelo que não nos deixava 'abandonar o recinto'; dos meninos mais velhos, que impunham tanto respeito e pareciam tão inalcansáveis; do teatro e dos ensaios; dos "namoros" às escondidas; das cusquices; das coisas que se usavam na altura; dos rapazes giros que galávamos; da chegada e saída do colégio; da mãe ou o Leonel me deixarem de manhã; das brigas e das amizades perdidas e recuperadas. Tenho saudades dos Verões no Alvor; das saídas memoráveis e incomparáveis para a Horta 2; de me chamarem Patroínha; de dançar sem parar as músicas dos 80's. Tenho saudades de mudar, de me sentir a evoluir... de crescer!; tenho saudades do Maria Amália; de ter mudado de realidade; da liberdade que também me trouxe mais responsabilidade; dos croissants com chocolate do Sr. Martins e das idas à Sardinheira em horas de furo; tenho saudades dos professores; dos almoços e passeios nas Amoreiras; das saídas para o Garage; dos amigos novos; das novas concepções da altura, de lutar com muita garra para entrar na faculdade; das explicações de química e de Matemática, quando me esforçava e fazia todo o livro de exercícios só para não chumbar; de cantar o English Man in New York na aula de Inglês, de fotocopiar as folhas de ponto antes dos testes; de preencher os cabeçalhos e de ficar nervosa com as idas ao quadro.
Tenho saudades de tanta coisa...
Tenho saudades de tudo o que já fui...
Tenho saudades minhas.
Tenho saudades de tanta coisa...
Tenho saudades de tudo o que já fui...
Tenho saudades minhas.
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