Monday, March 2, 2015

Quando duas pessoas que se amam terminam, para onde é que vai o amor?

“ Onde é que fica? Quem é que guarda ou destrói? Eu sei onde ficaram as tuas coisas... Devolvi-te a camisola com que dormia e tu provavelmente nunca mais a usaste porque cheira a mim. Guardei as fotografias na caixa que está debaixo da cama e as nossas músicas surpreendem-me por vezes e parece que dão murros no estômago. Guardei os teus presentes todos, até os bilhetes de cinema. Sei onde é que está tudo, sei onde estão todas as coisas... Mas então e o amor? Ficou onde? Ficou para quem? Claro que pouco a pouco nos vamos refazendo e daqui a uns tempos tu vais amar outra pessoa e eu também. Mas isso é outro amor. O mesmo amor não acontece duas vezes e o que é que aconteceu ao nosso? Quando uma pessoa morre, deixa para trás tudo o que lhe pertenceu e cada um escolhe no que acreditar. Uns acreditam no céu, outros no inferno, outros acreditam que a pessoa está simplesmente debaixo da terra e outros não acreditam em absolutamente nada. Mas existe uma opção, existem vários cenários possíveis. No amor não. O amor acaba e deixa de se falar dele. O amor acaba e não há céu, nem inferno, nem falecido nem adormecido. É nada. É tabú. Vira algo do qual não se fala, do qual se foge para não magoar. E passado uns anos vamos-lhe esquecendo o gosto e os traços, como esquecemos aquelas pessoas que conhecemos no campo de férias quando éramos miúdos. O amor quando separa as pessoas fica a pairar no ar. Ninguém o reclama, ninguém o olha. Fica nos perdidos e achados na vida, que ninguém sabe onde são. Há quem mate o amor e fique para o ver partir. Há quem o vá matando com mentiras, com descuido, há que o vá matando a discutir e com silêncio. Há quem o mate, e assim que o amor morrer, larga-lhe da mão e parte. Mas nós não matámos o nosso, não. Claro que o maltratámos, em parte. Mas regámo-lo tanto, alimentámos amor com amor. E houve um dia em que decidimos que apesar do amor, não podíamos continuar. Não foi o fim do amor, não foi depois de já não haver amor, não foi por falta de amor. Foi apesar do amor. Entao eu dei-te as tuas coisas e guardei as nossas. Tu deste-me as minhas e puseste as nossas no lixo. Escolhemos um lugar para as coisas. Mas e o amor? Guardamo-lo onde? Cá dentro? Se calhar é isso. Se calhar quando se termina com alguém apesar do amor, o amor fica cá dentro. Arrenda um quarto pequeno no nosso corpo. É um vizinho silencioso que não nos lembramos que existe até nos cruzarmos com ele no hall de entrada. Quando se termina apesar do amor o amor fica cá dentro. Apesar de custar, apesar de não estar certo, apesar de não fazer sentido. Apesar de ser amor, tive de te deixar apesar do amor. Quando duas pessoas terminam o amor fica onde estava. E os pés mudam de direcção e as almofadas também. Mas ele continua lá. À espera que o ressuscitem, ou o matem de vez naquele lugar das coisas incertas das pessoas que quase foram felizes”. (Carolina Deslandes)

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