Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Os amores têm de acabar, as pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece?
Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembra-lo. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso.
É preciso aceitar a separação e a tristeza, a falta de justiça, a falta de solução.
O esquecimento não tem arte. É preciso deixar correr o coração de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.
O mais difícil é aceitar. Há lembranças e amores que necessitam do afastamento para poderem continuar. Às vezes, a presença do objecto amado provoca a interrupção do amor. É a complicação, o curto-circuito, o entaralamento, a contradição que está ali presente, ali, na cara do coração, impedido-o de continuar.
As pessoas nunca deveriam deixar de se amar, nem separar-se, nem esquecer-se, mas separam-se e esquecem-se. Custa, Mas é preciso aceitar. É preciso sofrer, dar urros, murros na mesa, não perceber. E aceitar.
Uma saudade cuida-se. Nos casos mais tristes separa-se da pessoa que a causou. Continuar com ela, ou apenas vê-la pode desfazer e destruir a beleza do sentimento. As pessoas que se amam mas não se dão só conseguem amar-se bem quando não se dão. Mas como esquecer? Como deixar acabar aquela dor? É preciso ter paciência. É preciso sofrer. É preciso aguentar.
Há grandeza no sofrimento. Sofrer é respeitar o tamanho que teve um amor.
Para esquecer uma pessoa não ha vias rápidas, não ha suplentes, não há calmantes, ilhas e viagens, livros de poesia, copos ou amigos. Só há lembrança, dor e lentidão, com intervalos no meio para retomar o fôlego.
Podemos arranjar as maneiras que quisermos de odiar quem amámos, de nos vingarmos, de nos pormos a milhas, de lhe compormos redondilhas, mas tudo isto não tem mal, nem faz bem nenhum. Conta tudo como lembrança, saudade contrariada, enraivecida, embaraçada por ter sido apanhada na via pública.
O que é preciso é igualar a intensidade do amor a quem se ama e a quem se perdeu. Para esquecer, é preciso dar algo em troca. Os grandes esquecimentos saem sempre caros. É preciso dar tempo, dar dor, dar com a cabeça na parede, dar sangue, dar um pedacinho de carne (eu quero do lombo, mesmo por cima da tua anca de menina, se faz favor.)
E mesmo assim, mesmo magoando, mesmo sofrendo, mesmo conseguindo guardar na alma o que os braços já não conseguem agarrar, mesmo esperando, mesmo aguentando com muita paciência e muita má vontade, mesmo assim é possível que não se consiga esquecer nem um bocadinho.
Quando mais fácil amar e lembrar alguém, mais fácil deixar de amá-lo e esquecê-lo. Raio de sorte, miséria suprema do amor. Pode esquecer-se quem nos vem à lembrança, aqueles de quem nos lembramos de vez em quando, com dor ou alegria, tanto faz, com tempo e com paciência, aqueles que amámos com paciência, aqueles que amámos sinceramente, que nos deixaram, vazios de mãos e cheios de saudades, esses doem-se e depois esquecem-se mais ou menos bem.
E quando álguem está sempre presente? Quando é tarde? Quando já não se aguenta mais. Quando já é tarde para voltar atrás, percebe-se que há esquecimentos tão caros que nunca se podem pagar. Como é que se pode esquecer o que só se consegue lembrar? Aí, está o sofrimento maior de todos.
Aí está a maior das felicidades!"
Miguel Esteves Cardoso
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1 comment:
lembrar ou esquecer não passa do mesmo resultado. Afinal são reflexos do nosso "querer".
Será?
A memória é que é terrível. O esquecimento deve ser aprendido. Aprendemos coisas para esquecermos outras coisas
Vítor
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