Há pessoas que põem palavras nos nossos sentimentos. Parecem-se com os poetas. Mas depois, de surpresa, abandonam os nossos sonhos pé ante pé ou de “pantufas”. Não sei... Na verdade, decepcionam-nos (devagarinho) e, quando damos por isso, apagam-se dentro de nós. Deixam de ser preciosas e, por tudo o que valeram, não podem voltar a ser só (!) nossas amigas. Partem para uma “terra de ninguém”, muito distante do sítio onde vivem os génios da lâmpada, o Pai Natal, as fadas e os duendes. E por lá ficam. Mais ou menos errantes.
Imagino esse lugar, onde se acotovelam tantas pessoas que nos disseram tanto, como um Purgatório, com a particularidade de lá não se ser promovido, com facilidade, até ao Céu. É verdade que essas pessoas não se transformam num inferno dentro de nós, embora, por vezes, surjam, ora como um vulto ora como uma silhueta ou, até mesmo, como uma estrela cadente que, atravessando o nosso coração, já não provoca um arrepio (muito menos, um calafrio, que são aqueles sentimentos impetuosos que nos desabotoam a cabeça e nos deixam a arder de paixão e a tremer de medo, ao mesmo tempo).
Afinal, não são nem amigos nem amores. Transformam-se num museu? Numa arqueologia de todos os amores, por exemplo? Às vezes, nem isso. Infelizmente. Se fosse assim, estáticas, empoeirados, seguravam-se no nosso coração. O que não acontece às pessoas que foram perdendo a magia...
Este “não sei onde” é uma espécie de cemitério de poetas dentro de nós. Um lugar de silêncio que convida a espreitar para o que sentimos. Com surpresa e com dor, ao descobrirmos que, ao contrário do que sempre desejámos, há relações – luminosas - que foram morrendo para nós. Às vezes assusta. Afinal, não é simpático descobrirmos que mora em nós alguém que, não sendo o Capitão Gancho, tenha ajudado a morrer quem trouxe poesia, ou luz, ou um insustentável rebuliço ao que sentimos... Às vezes, atormenta. Porque magoa descobrirmos que – mesmo quando nos imaginamos a dar a sala mais espaçosa do nosso coração - também nós, dentro de algumas, vivemos sem viver, errantes, nesse “não sei onde” de alguém, entre os seus amigos e os seus amores. Às vezes ainda, somos tocados pelos galanteios da vida e, levados pelo entusiasmo, imaginamos que, se desejarmos com muita força, algumas das pessoas que guardamos no nosso cemitério de poetas ressuscitam e regressam, cheias de luz, para surpresa do Pai Natal ou das fadas. Eu sei que também entre as pessoas há quem pareça mágico mas intocável. Como eles. Mas: esse é o cais de embarque que, de surpresa, nos pode levar (sem volta) para o cemitério dos poetas.
[Eduardo Sá]
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2 comments:
poetas
não são poetas
não têm lugar, sítio
nem para viver
nem para morrer.
desaparecem ao olhos dos comuns
estes nunca os viram
nunca (a)-pareceram
não se parecem com o que exista
não são a afirmação de nada
e pior que isso
nem sequer são a negação de algo
nunca são vistos
muitos menos
(a)claram
(de)claram
qual cemitério
qual lugar.
Fantástico, não é? Parece que podíamos ser nós a escrever isto... porque todos nós nos identificamos com o texto.
Todos nós já nos decepcionámos e vimos alguém que amávamos perder a sua magia. Todos nós já tivemos de abrir a porta do cemitério dos nossos poetas e enfiar mais outro lá dentro...
Mas o fantástico da vida é que atrás de um poeta vem logo outro :) E traz com ele novas rimas, novos sentimentos, novos senhos.
Gostei do teu blog :)
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