Saturday, May 23, 2015

Conheci uma miúda.

" Metade miúda, metade mulher. Miúda na maneira ingénua como olha para as pessoas e como acredita em amor sem terceiros, mulher na postura que toma quando as coisas não lhe correm tão bem assim na vida. Não é a mulher mais bonita que vi na vida, mas tem tudo para ser a mulher da minha vida. Tem um sorriso que transmite paz, tem um olhar de bandida e anda com a maior confiança do mundo no meio das pessoas que não gostam dela. O tempo pára e o relógio atrasa-se quando ela entra em algum sítio, e ela nem dá conta disso. Não sorri a quase ninguém, mas o olhar de carinho que debruça sobre toda a gente, seja alguém que já a magoou, ou uma mulher de coração partido por quem um dia foi dela, deixa-nos em paz com a presença dela. Não é certa. Tanto sorri como chora, tanto desaparece do mapa durante dias a fio como me liga a meio da noite, e mesmo quando está magoada, a felicidade fica-lhe estampada no rosto, porque aprendeu a ser assim desde nova. Nunca perde a vontade de lutar por aquilo que quer, mesmo quando o que quer não a quer assim tanto como ela. E nisso já não sei se é loucura, se queda pelo abismo, mas a minha metade miúda, metade mulher, ama com tudo o que tem, mesmo quando o que tem não lhe enche a mão. Ela não escolhe de quem gosta, mas quando gosta, fica-se por tempo indeterminado a defender quem lhe dá a mão durante a noite. É fiel, mesmo que ninguém saiba de nada. Vê a cara da pessoa que gosta estampada nos homens que lhe tentam arrastar a asa na noite, ouve a voz de quem ama nas conversas em que deixa de participar rapidamente, e só se deita em quem se encaixa. Nunca beijou quem não gostasse. Nunca disse que adorava alguém sem lhe fervilhar qualquer coisa no sangue. Está sempre bonita. Mesmo quando está uma lástima. Mesmo quando se arranha, quando se senta e chora, quando sorri, ou quando conduz com a mão fora do carro para sentir que está viva. Não tenho medo que me troque, porque ela não sabe trocar. Não está dentro dela. Não faz parte do corpo dela. Ela ainda é daquela espécie, em vias de extinção, que acredita no amor à primeira vista e repugna casos de uma noite. Nunca me quis amar, mas amou-me na mesma. Aconteceu-lhe. E todos os dias quando se olha ao espelho, mente-se a ela mesma. Diz que é livre. Mas não é. Nunca foi, nunca vai ser. Tem os pés bem assentes na terra para ter a oportunidade de levantar voou. Conheci-a numa noite que era para ser vulgar, mas deixou de ser rapidamente. Sorriu-me, a mim, logo a mim. No meio de tantas pessoas que lhe podiam dar a mão, agarrá-la de melhor forma ou dizer-lhe o que merece ouvir, foi a mim. Não se encaixa nas mulheres que tenho conhecido pela minha vida fora. E então assusta-me. Sempre que fala, sempre que olha, sempre que sorri, ou que aparece num espaço em que eu também esteja, assusta-me. Faltam-me as palavras certas, já que ela fala bem que se farta. Faltam-me os gestos certos, e falta-me a coragem. Não sei que tipo de coragem, mas falta-me. Faltou-me sempre coragem de a abraçar à frente de alguém menos chegado. E então, ela começou a perder a vontade de me defender. Por isso mesmo, começou a acreditar naquilo que dizia ao espelho. A falta de coragem deu-lhe lugar para crescer mais enquanto miúda e enquanto mulher, e o tempo continua a parar sempre que ela passa, a única diferença é que já não passa ao meu lado. Vai dar a volta, sorri para outros sentidos, e começou a acreditar que talvez, tenha que aprender a trocar. Mesmo que ainda me oiça nas conversas e me veja em caras que lhe aparecem na frente, ela sorri até espantar aquilo que sobrou de mim. Cortou nas palavras. Cortou nos sentimentos. Cortou na vontade de me querer amar. Deixa-se ficar deitada na cama, com memórias minhas, e troca os lençóis todos os dias enquanto olha para o nada, a pensar em tudo. Está parada no meio de tanta gente a mexer-se, porque só se mexe quando se apaixona. Nunca conheci ninguém tão louco, e nunca fiquei tão louco de conhecer uma mulher assim. Acho que vou perdê-la. Mas enquanto acho, ainda nos tocamos, e enquanto nos tocarmos, ela ainda me ama.". [Que Maravilha de Texto! Pela mão, e a alma, da Ines Alegre]

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