Monday, April 17, 2017

Fala-se tanto e tão mal do amor de hoje que venho aqui em sua defesa.

"Gostaria pois que me imaginassem dentro de um daqueles fatos de ferro das histórias do Quixote, de espada em punho, a trote seguro no dorso meu robusto cavalo. E o que quero dizer sobre o amor actual ao contrário desses treinadores de bancada, desses dr. Phils de trazer por casa, é que nunca o amor foi tão bom, tão puro, tão verdadeiro, tão forte, tão incondicional quanto o de agora. Pasmarão alguns, vociferão outros, mas é de espada erguida – e nada de conotações sexuais por favor – que vos digo que o amor que agora se pratica é muito melhor do que aquele que existia há não mais de 30 anos. Eu sei que há pessoas a cair das cadeiras em que me leem mas deixem-me justificar-me. Dantes, muitas das vezes, as pessoas amavam-se porque não tinham mais ninguém. Olha-se com grande admiração para o romance tórrido da sheena e do tarzan e eu pergunto-vos: mas com quem é que acham que a sheena se ia meter na selva, quando o único homem disponível era o tarzan? Quem por Deus? Com um rato lemuriano? Com um gorgulho girafa? Com a lagartixa dentuça? É fácil adivinhar com quem. E foi porque não havia outro. Se virem bem, o tarzan com aqueles modos, nem uma costureirinha da cartuxa conseguiria conquistar, quanto mais a sensual sheena. E dantes, também assim era. Isto é, eu não sei se me vou conseguir explicar, mas vou tentar. Dantes, parecia que havia poucos homens e poucas mulheres. As pessoas amavam-se uma vez na vida e pronto. Parece perfeito, não é? Mas não, não é. Era quase um sistema ditatorial. As pessoas encontravam aquele amor e mesmo que tudo aquilo acabasse, fingia-se para a vizinhança que não, para a família que estava tudo muito bem, que o amor era lindo, que os filhos são o mais importante. E no entanto, mesmo sem o fazerem no real, dormiam já em camas separadas. Mesmo dormindo juntos, em conchinha se for preciso, era em camas separadas. O amor era em camas separadas mesmo num lençol comum. E este amor – o de agora –o que agora escrevo, o que agora falo, já não vai nessa conversa, não vai não. O amor de agora, não quer saber da família, não quer saber dos vizinhos, não quer saber do mundo nem se o homem foi à lua ou não, o amor de agora, quer saber isso sim, que a pessoa que ama também o ama a ele. Ou a ela. Só isso interessa. Todos os dias, a todos os minutos. O amor de agora quer chegar mais cedo a casa para fazer amor com a sua mulher. Quer que mal ela entre na porta, não lhe seja dado tempo para pousar as coisas. O amor de agora rebola pelo corredor da casa, pela cozinha, pelas escadas do prédio, pelo imaculado tampo da máquina de lavar a roupa. O amor de agora é urgente. Digo, repito-o. Não se pode chegar a casa e ser mais importante ir comer, porque a comida está na mesa. Não, o amor de agora, não dá prioridade à comida na mesa. A comida pode esperar, o amor não. E quando digo que este amor – o amor que existe hoje – é melhor do que existia há 30 anos, digo-o porque nunca foi tão fácil encontrar alguém como nos dias de hoje. Há 30 anos não havia internet, não havia telemóvel, não havia tinder, tudo se processava com a lentidão de um daqueles comboios regionais que transportam mercadorias. Hoje um ser vivo pode apaixonar-se quase todos os dias se quiser. Pode casar-se todas as semanas. Pode divorciar-se e casar-se para o mês que vem. As tentações são tantas, é tão fácil, é tão rápido, é tão provocador e apetecível, é tão bom, que por isso defendo, que o amor actual, quando fecha os olhos a tudo isto, quando não se inquieta com as milhares de coisas que o assediam em todos os minutos, não é porque não tenha mais ninguém que a ama, é porque mais ninguém existe como ela". [Fernando Alvim]

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